13 de jun. de 2009

Sal grosso e água

O fogo subiu, joguei um pouco de água misturada com sal grosso por entre a grelha. A labareda arregou e a carne chiou bonito. Dei uma golada longa na cerveja gelada e tive a certeza que nos negócios de carne e fogo tinha que ser assim mesmo.

A turma via a seleção na TV com narração do mala do Galvão Bueno. E eu ali pensando em elixires possíveis.

Foi daí que Jegão, que não é Jegão, mas decidi chamá-lo assim, entrou no quintal, gingando e dando uma geral no lugar. Tinha acabado de sair da cadeia e caboclo quando sai da cadeia é assim mesmo, olha pra tudo que é lado e só dá as costas pra parede. Conhecido do dono do lugar, sentiu o cheiro da carne e vislumbrou a cerveja, daí entrou para filar um copo, que ninguém é de ferro, nem quem sai vivo de cadeia aqui no estado.

Cortei a carne, Jegão se aproximou, ofereci, ele me olhou no olho, sentiu firmeza, sorriu e levou a mão à tábua, pegou o naco, e curtiu o contra-filé mal-passado, uma mão segurando a carne e na outra o copo de cerveja gelada.

Tanto poeta mala falando da condição humana por aí e Jegão, ex-presidiário “puxador de duas cadeia” por furto e roubo, torturado, humilhado, ali parado mastigando e bebendo, cara de quem achou o sentido da vida.

De repente Jegão fixou o olhar, paralisou, respirou mais devagar e desceu a mão da boca, bem devagar, medo de bote. Olhei para o que ele olhava, era mais um visitante inesperado, velho conhecido de Jegão e meu também, o Cardozzo.

O soldado Cardozzo, que não é Cardozzo, mas decidi chamá-lo assim, adentrou o churrasco com cara de “e mais essa agora, porra!”.

Início de mal-estar na galera, todos conhecidos dos dois, alguns brincavam desde criança juntos. Jegão e Cardozzo, inclusive. Imaginei os dois pelo quarteirão daquele mágico e por isso inverosímel bairro em Cariacica, moleques correndo brincando de polícia e ladrão.

Cardozzo quebrou o silêncio. Cumprimentou todos. Jegão estendeu a mão que ficou dois segundos estendida à espera da outra, uma eternidade. O aperto foi breve. Mas ocorreu acompanhado de um inaudível “e aí”. Jegão respirou finalmente.

Enquanto isso a labareda subiu de novo lambendo as carnes. Fui até lá e lancei mão da mistura de sal grosso e água.

Tinha que ser assim mesmo.

3 comentários:

Nieve disse...

Bom caso, bom texto.

serafa disse...

perfeito.

Paulo Bono disse...

Puta que pariu, meu irmão.
Você, o Alvarez e o Wiscow são fodas.

Bem vindo de volta.

abraço