5 de jul. de 2009

New Paris City é uma festa



Assisti Boulevard 83, musical do Grupo Teatro Empório, num domingo de chuva fina e indecisa. Apesar disso o Teatro do Sesi estava lotado. Hoje, outro domingo, desta vez de chuva decidida e grossa, resolvi escrever a respeito.

Antes de tudo um adentro: detesto musicais. Considerando o nome do espetáculo e a sinopse jamais veria. Mas tinha o dedo do
Empório. Fui. Saí de lá com uma grande exceção ao primeiro dito: adorei.

Tudo começa quando um cabaré mergulhado em dívidas ameaça fechar. Sua trupe de artistas se mobiliza em um último show em que apostam todas as fichas para arrecadar dinheiro e salvar o lugar, capitaneados pelo malandro pós-decadentista
Zac Hemingwai. O Boulevard 83, nome da casa, de acordo com o que nos diz a encenação, é o único lugar onde não há prostituição em todas os cabarés de New Paris City. Nisso, perdão, não me convenceram. Mas, por outra, faz parte do show, de uma época em que as primas disfarçavam sua meretrice nas artes. Hoje, pena, todas são todas eternas universitárias. Reside aí uma sutil ironia da encenação, mente-se tão bem que isto se torna um dos sustentáculos do espetáculo.


O musical

Neste ponto, o da ingenuidade dos personagens num mundo tão torpe e cheio de mafiosos e gangsteres, o musical se filia ao modelo leve e despretensioso de algumas produções da
Broadway (não todas, frise-se), tendo como maior objetivo, pena que com recursos financeiros infinitamente menores, o entretenimento do público numa produção bem cuidada e de qualidade. Apesar da linha ser esta, o experimentalismo com outras estéticas tornam tênue a sua classificação apenas como um musical e enriquecem a encenação. Esta é, em suma, a proposta executada magistralmente pelo grupo.

Dandismos e decandentismo

A peça agrada em cheio nos diálogos estéticos que produz. O universo de prazeres dos personagens, o falar cotidiano vários graus acima do natural, e sua certeza de que os tempos estão perdidos e que só resta o cabaré, e depois dele nada mais fará sentido, tudo isso faz paralelo com certo decadentismo tardio, produto do final século XIX, de qual Paris, um dos cenários inspiradores da produção, foi a receptora e difusora para o mundo.

No cenário e figurinos, um certo olhar sobre o dandismo, também tardio. A mentira como recurso permanente resultando na pureza dos mais desprezíveis homens noturnos. É justamente aí que o discurso antiprostituição desaba. As mulheres da peça, salvo quando cedem a pieguismos intrínsecos a certos tipos de musicais, são aquilo que o poeta
Baudelaire defendeu quando disse que a mulher deve parecer mágica e sobrenatural, deve transformar-se em ídolo e colher de todas as artes os meios de elevar-se acima da natureza.

Forma e formato

A encenação é construída sobre um único espaço cênico, modificado de acordo com elementos de cena conduzidos pelos próprios atores ou sob cuidados de dois versáteis
mordomos-garçons-coringas que produzem eficiente solução cênica e beleza. A iluminação é perfeita e traduz todo clima deslumbrante de Cabaré quando necessário, respeitando as nuances inerentes à decadência presente.

Sobre a música tenho pouco a dizer, pois sou aquilo que chamam de “analfabeto musical”. Mas sinto harmonia e sintonia com a proposta de direção e concepção visual. A trilha executada ao vivo no piano de
Elenísio Rodrigues nos transporta efetivamente para New Paris City, universo construído pelo Empório.

Os atores dão conta do recado, recado dificílimo de se transmitir, aliás. Cantam, dançam e representam de verdade. De verdade mesmo. Daria para citar todos, mas destaco aqui
Nívia Carla, no papel de Joe, a dona do cabaré.

Dramaturgia

O texto possui uma certa falha na resolução dos conflitos que ocorrem no segundo ato, fragilizando um pouco o esqueleto dramatúrgico, coisa que em nada prejudica a sua qualidade, pois os diálogos são inteligentíssimos e muito bem posicionados.

Incomoda a grande quantidade de cacos, a peça não precisa deles. Porém, em casa cheia e platéia receptiva permitem-se certos pecados em nome do público.

Fini

À guisa de término do texto, afirmo que
Boulevard 83 está entre os melhores trabalhos que estrearam no estado nos últimos anos. A coerência entre o proposto e o realizado resultam num trabalho sério e de muita qualidade, merecedor de longa temporada e grandes platéias. O elenco do Empório consolida-se como exemplo da maturidade e gênio de uma nova geração no teatro capixaba.



Mais:

Elenco: Allan Toni, Dayanne Lopes, Danielle Pansini, Diego Carneiro,
Josimar Teixeira, Kalina Aguiar, Leandro Bacellar, Luana Eva, Luciene Camargo, Ludmila
Porto, Mell Nascimento, Marcos Luppi, Nívia Carla, Stace Mayka e Werlesson
Grassi.

Dramaturgia, encenação e espaço cênico : Leandro Bacellar
Direção musical e composição: Elenísio Rodrigues
Composições musicais: Elenísio Rodrigues e Leandro Bacellar
Direção de produção: Luana Eva
Direção de arte: Kênia Lyra
Coreografias: Tadeu Schneider
Preparação de canto: Patrick do Val
Iluminação: Thiago Sales - Overlan Marques
Figurino: Samira Alcântara e Luana Eva
Produção fotográfica: Jove Fagundes
Orientador dança de salão: Teresa Loofredo
Pianista: Elenísio Rodrigues

Duração: 120 minutos
Classificação: 16 anos

Datas previstas para as próximas apresentações:
Colatina: Teatro Marista, dias 11 e 12 de julho, às 19h30.
Cachoeiro de Itapemirim: Teatro Rubem Braga, dias 25 e 26 de julho, às 19h30.

Os locais e horários desta temporada pode no site do grupo:
http://www.teatroemporio.com

4 comentários:

Anônimo disse...

Realmente! Nívia está muitíssimo bem de Joe.

Priscila Milanez disse...

Ai... perdi!

Unknown disse...

Sim, Boulevard 83 é um dos melhores espetáculos produzidos no estado nos últimos tempos. Fico feliz ver um elenco preparado tecnicamente em cena, realizando com competência a sua proposta. Parabéns a toda equipe! Suely Bispo.

Vanessa Darmani disse...

Muito bom seu texto Saulo.
Parabéns!